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        textos:

 

1) “O PSICANALISTA NÃO FALA, SÓ ESCUTA” – Verdade?

2) Nota sobre o corpo na atualidade

3) O inconsciente é um saber.

4) A interpretação

5) A “Super Mulher”: Será que ela existe?

 

 

 

 

 

“O PSICANALISTA NÃO FALA, SÓ ESCUTA” – Verdade?

 

Por Flavia Bonfim

 

            A idéia do analista sempre silencioso é uma caricatura. Isso não quer dizer, contudo, que o silêncio não tenha sua função no processo analítico. Se fosse “verdade” que o analista não fala, ainda assim teríamos aí uma questão que mereceria melhores esclarecimentos. Pois como a “verdade é sempre não-toda”, nos diz Lacan, essa afirmativa por si não seria capaz de dar conta de dizer tudo sobre a práxis do analista. Por outro lado, vale dizer que “escutar”, ou melhor “a escuta de um psicanalista” em si já não é pouca coisa, pois permite ao sujeito falar daquilo que há de mais íntimo, sem ser censurado e julgado segundo critérios morais: do bem e do mal, do certo ou errado, além de contar com o sigilo de seus maiores segredos.

Escutar o paciente, antes falar e fazer suposições, trata-se de uma posição ética, que supõe um saber do lado do analisando a respeito de si próprio (mesmo que ele ainda não saiba) a ser construído no processo analítico. Além disso, isso aponta para o fato de que qualquer intervenção e interpretação do analista só é mediante a prévia escuta do paciente. Não se trabalha com um saber pronto, produzido de ante-mão, que caberia para todo sujeito. A teoria psicanalítica orienta e jamais o analista pode prescindir dela, mas ela não substitue o singular e só se confirma e se autentifica medicante o caso a caso. A psicanálise é a clínica do particular.

 Desse modo, o analista trabalha essencialmente com a fala do paciente, pois é na fala que o inconsciente pode emergir. É isto que Lacan quer assinalar com seu famoso aforismo, que marcou sua releitura da obra freudiana: “O inconsciente é estruturado como uma linguagem”. O inconsciente não está dentro, nem fora, mas se encontra na própria fala do analisando, cabendo ao analista intervir para que o inconsciente exista. É o analista que enfatiza aquilo que o analisando desconsidera (as manifestações do inconsciente: atos falhos, chistes, sonhos, sintoma) e aponta para seu estatuto de representante da verdade do sujeito. Daí, a tese de Lacan: O inconsciente não é sem o analista.

De modo mais preciso, afirmamos que a psicanálise trabalha com os ditos do paciente, questionando a posição do sujeito frente a eles, o lugar do enunciante frente ao seu enunciado,–  permitindo reformular sua queixa e introduzir o mal-entendido. Isso o guia ao encontro do inconsciente, levando-o ao questionamento de seu desejo e do que pretende dizer quando fala.  O ato analítico consiste em implicar o sujeito em sua queixa, de modo que possa avançar, deslizando da queixa a respeito do outro, para a pergunta: “Qual minha parte nisto?”, produzindo, então, uma retificação subjetiva, uma responsabilização do sujeito sobre seu sintoma. Convém destacar que responsabilizar não é de modo algum culpabilizar o paciente pelo seu sofrimento. Responsabilizar é o primeiro passo para permitir que o analisando – apesar do assujeitamento do Outro, do determinismo inconsciente e dos dramas pessoais – possa se autorizar pelas escolhas de sua vida e encontrar outras vias de se posicionar frente ao mundo, bem como outros modos de satisfação, construindo, assim, soluções inéditas para si.

Finalizando, devo dizer que  ética da psicanálise é regulada pelo desejo e toda intervenção/interpretação analítica incide na tentativa de apontar para a dimensão desejante do sujeito. Logo, o psicanalista fala. O que ele não fala é sobre si, já que isso produz apenas identificações imaginárias que só tendem a contribuir ainda mais para a alienação do sujeito – indo na contramão do processo analítico. Ele também não diz ao paciente como agir, pois quem pode dizer o que é melhor para o outro? Quanto a isso, Freud há tempos nos alertou , escrevendo que “A felicidade constitui um “problema da economia da libido do indivíduo.” Não existe uma “regra de ouro” para todos. Cada sujeito deve descobrir o seu caminho que conduz ao prazer.” Nesse sentido, Lacan, por sua vez, foi bem claro ao formalizar que o analista dirige o tratamento, não o paciente.

 

Nota sobre o corpo na atualidade

 

 

Por Flavia Bonfim 

 

O corpo foi sede de pecado na Idade Média, passando por sua normatização no século XIX, com os ideais higienistas de limpeza, beleza e força, até chegar a meio de puro gozo nos dias atuais. 

Na contemporaneidade, o corpo tende a ser idealizado, visto a associação de discursos sobre a saúde e a estética. O corpo deve seguir os padrões de beleza estabelecidos, tornando-se, portanto, desejável. Um corpo não deve comportar as marcas do tempo, nem apontar para a doença e a morte, evitando, assim o encontro com a perda e a castração. 

A beleza deixou de ser apenas um adjetivo e tornou-se um imperativo social. Ou seja, todos devem ser belos e isso implica em seguir certos padrões estabelecidos pela sociedade. Os meios de comunicação de massa (TV, revista, outdoor) divulgam os novos padrões de beleza e a sociedade exerce pressão para que se chegue à perfeição desses modelos esteticamente padronizados. 

A beleza, com isso, tornou-se também um objeto de consumo e um imperativo sobre as mulheres, que  só tendem a produzir mal-estar sobre aquelas que não se enquadram nesses padrões pré-estabelecidos. Padrões, estes, que são inalcançáveis na medida em que somente com a ajuda de fotoshop pode ser encontrado, tal como o video abaixo denuncia. 

Já em 1930, Freud falava a respeito do conflito entre o desejo do sujeito e as normas da sociedade, apontando que daí emergia mal estar na civilização - sendo este fruto do resto, da diferença, da defasagem entre o esperado e o encontrado, entre o universal e não coletivizável. Eis, então, nosso "mal estar da civilização" que passa pelo corpo como objeto de consumo.

Assista ao video e 

descubra como se constrói um corpo perfeito!

O inconsciente é um saber.

 

Por Flavia Bonfim  

 

 

O analista trabalha essencialmente com a fala do paciente, pois é na fala que o inconsciente pode emergir. É isto que Lacan quer assinalar com seu famoso aforismo, que marcou sua releitura da obra freudiana: “O inconsciente é estruturado como uma linguagem”. O inconsciente não está dentro, nem fora, mas se encontra na própria fala do analisando, cabendo ao analista intervir para que o inconsciente exista. É o analista que enfatiza aquilo que o sujeito desconsidera. (atos falhos, chistes, sonhos) Daí, a tese de Lacan: O inconsciente não é sem o analista. A articulação do inconsciente com a linguagem, toma como referência, como ele próprio nos escreve no Seminário 11: “com um campo que hoje nos é muito mais acessível do que no tempo de Freud.”  (1998 b, p. 25), ou seja, com  campo  lingüístico. Esse campo é explorado, estruturado e elaborado por Claude Lévi-Strauss. Lacan afirma que é por meio da lingüística, enquanto ciência humana, mas distinta de uma psicossociologia, que podemos encontrar a estrutura que dá estatuto ao inconsciente. Marco Jorge (2000), citando Lacan, escreve que “o inconsciente é o que dizemos” e conclui:

“O inconsciente não se encontra num suposto mais-além da linguagem, nem em qualquer profundeza abissal ou oculta; ele se acha nas palavras, apenas nas palavras e é nas palavras enunciadas pelo sujeito que ele deve ser escutado. Estruturado como uma linguagem, é nela que o inconsciente se acha profundamente enraizado.” (p. 80)

 

Nos atos falhos, lapsos, sonhos, sintomas, ... enfim, nas manifestações inconscientes, Lacan reconhece um mesmo elemento comum: sua estrutura como uma linguagem. E assim, afirma que o que Freud descobriu foi a presença de linguagem no inconsciente. O que Lacan sustenta como fundamental na obra freudiana é a consideração das relações do homem com a ordem simbólica. A sobredeterminação inconsciente, descrita por Freud, põe em evidência a primazia do simbólico na constituição do sujeito.

Dizer que o inconsciente é estruturado como uma linguagem é afirmar que ocorrem os mesmos tipos de relação entre os elementos inconscientes e os elementos de qualquer linguagem. É propor que o modo de funcionamento das representações no inconsciente, para usarmos os termos freudianos, obedece ao modelo da gramática, enquanto um conjunto de regras que orientam a transformação (metáfora) e o deslizamento (metonímia) dentro da própria linguagem.  Nisto, reconhecemos o modo operante, já assinalado por Freud, característico do inconsciente, no qual as representações se relacionam por meio de condensações e deslocamentos.

Através da análise, foi possível situar o inconsciente como um saber, um saber falado. As manifestações do inconsciente revelam que há um saber que não se sabe, um saber baseado no significante, sendo justamente por meio delas que esse saber emerge denunciando a verdade do sujeito - uma verdade que escapa ao ser falante.

O inconsciente como um saber estar no lugar de preencher a falta de um saber instintual. É porque nos falta o instinto que a nossa ação é vinculada não a um saber próprio da espécie humana, mas um saber articulado com significantes que nos atravessam, significantes que provém do discurso do Outro.  O sujeito é marcado por significantes antes mesmos que estes possam ganhar significações para ele. Isso porque o sujeito nasce inserido em um mundo de linguagem, de palavras, de significantes e muito antes dele nascer já lhe é dado um lugar no discurso dos pais. Discurso que não determina completamente, mas deixa seu registro no sujeito e constitui o Outro como linguagem ao qual o sujeito se encontra alienado. 

REFERÊNCIAS:

- LACAN, J. Seminário 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). 2. ed. rev Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998 .

- JORGE, Marco. Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000, v.1.

A interpretação

 

 

Por Flavia Bonfim

 

 

Para repensar o lugar da interpretação no tratamento analítico, Lacan (1998), em seu Escrito “A direção do tratamento e os princípios do seu poder” de 1958, propõe articulá-la com ele denomina “Doutrina do significante”. Doutrina, esta, que nos fala dos efeitos dos significantes sobre o advento do significado e que, portanto, nos aponta que é por meio do deslizamento dos significantes que as significações são produzidas. Ou seja, trata do princípio de que o significante não está colocado ao significado, de que somos marcados pelos significantes antes mesmo de podermos atribuir-lhe qualquer significação, mais ainda, de que a significação advém após a enunciação do último termo sentença – quer dizer, as significações surgem no “só depois”, no a posteriori.

Segundo Lacan (ibid.), lançar mão desta doutrina é a única via para conceber que a interpretação possa produzir algo novo. Lacan rompe com um modelo de interpretação que fecha sentido, que dá significações ao analisando. Inclusive, uma palavra apenas pode ter efeito de interpretação – desde que promova alguma retificação subjetiva. Assim, ele diz: “a interpretação analítica está, ela própria, na contramão do sentido comum do termo” (LACAN, 1992 [1969-70], p. 15)

A interpretação tal como Lacan a entende, deve incidir sobre o significante ao qual o sujeito está capturado, subordinado, de modo que possibilite trabalho analítico, promova ruptura entre significantes e, assim, conduza o sujeito a produzir suas próprias significações e a nomear o significante ao qual ele, enquanto sujeito, está assujeitado. Dito de outra forma, a  interpretação provoca corte de modo que outras associações surgem, de modo que o sujeito se retifica subjetivamente frente a sua questão, podendo se implicar sobre o seu sintoma.

A psicanálise só pode operar por meio da palavra do analisando e é sobre essas palavras, tomadas como significantes, que as intervenções do analista, inclusive a interpretação, incidem. Assim, nunca é demais repetir que a intervenção analítica utiliza-se dos próprios significantes que o analisando trás em suas associações e não dos significantes do analista. A interpretação incide sobre a cadeia significante que se desenrola pela fala do analisando, assumindo um caráter enigmático e enviando o sujeito para a causa do desejo. Pensar a interpretação como um "enigma" para o analisando que o põe em trabalho julgo ser uma boa aproximação.

Sendo assim, o que determina se a intervenção realizada pelo analista foi uma interpretação, ou não, são seus efeitos.  Não é possível determinar de antemão que se trata de uma interpretação, mas somente se conseguir produzir alguma espécie de modificação ou vacilação na relação do sujeito com os significantes aos quais ele se encontra subordinado. Nesse sentido, Lacan é bem claro:

 

“Ela [a interpretação] só é verdadeira por suas conseqüências, tal como oráculo. A interpretação não é submetida à prova de uma verdade que se decida por sim ou não, mas desencadeia a verdade como tal. Só é verdadeira na medida em que é verdadeiramente seguida.” (2009 [1971], p. 13)

 

REFERÊNCIAS:

 

LACAN, Jacques. A direção do tratamento e os princípios de seu poder (1958). In: Escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998 a.

 

______________. Seminário 17 – O avesso da psicanálise (1969-70). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992.

 

LACAN, Jacques.  Seminário 18 – De um discurso que não fosse do semblante (1971). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2009.

A “Super Mulher”: Será que ela existe?

Por Flavia Bonfim

 

Vivemos num mundo em constante transformação. Ocorrem mudanças políticas, econômicas e sociais. Também, com os anos, modificam-se os costumes, os valores e a forma como as pessoas encaram a vida. O que era um hábito há anos atrás, hoje em dia pode não ser mais. A sociedade, ao mesmo tempo que impõe mudanças, modifica-se com suas próprias exigências. O que dizermos das modificações de atitude da mulher? 

Até a década de 60, por exemplo, a mulher exemplar era a boa mãe, dona de casa cuidadosa, esposa dedicada, sensível e submissa, que não se intrometia nos assuntos dos homens. Trabalhar fora? Para quê? Isso não devia fazer parte do cotidiano feminino. A mulher era vista desta forma, pois vivíamos em uma sociedade centrada na figura masculina. O homem era o construtor do mundo e era esperado que a mulher tivesse uma posição secundária de zelar pelo marido e pelos filhos. 

A sociedade atual já não se organiza da mesma forma. Podemos dizer que nossa sociedade não é mais tão hierárquica, nem o homem é mais a figura principal. Atualmente, a mulher também exerce papel de destaque no meio social. Concomitantemente, passou-se a se exigir da mulher uma nova posição no mundo, quase que totalmente oposta à anterior. A nova mulher deve ser independente, bem sucedida profissionalmente, administradora do lar, mãe, psicopedagoga, politizada, bonita, inteligente, culta, segura de si, decidida, que luta por igualdade etc., sem esquecermos que também deve ser “desencanada” no diz respeito aos assuntos sexuais. Quanta coisa! 

Na verdade, isso é ser uma “SUPER MULHER”, uma mulher potente, poderosa. Será que existe uma mulher assim? Para ser uma "verdadeira mulher" tem que seguir esse modelo? Não. A “super mulher” não existe. Este é mais um padrão inatingível e autoritário que a sociedade moderna espera que sigamos, criando mal estar e insatisfação naquelas que não conseguem alcançá-lo. Não se trata de defender a mulher submissa, nem a poderosa, mas de apontar que não existe uma única forma de ser mulher e esse é o grande elogio à feminilidade. A riqueza da feminilidade é ter a possibilidade de ser única, singular. Não existe uma essência de mulher. Não há nada que possamos falar que venha definir o que é ser mulher de um modo geral. A mulher só pode ser encarada uma a uma. Daí vem todo o enigma que circunda o universo feminino.

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